terça-feira, 10 de fevereiro de 2015


AUTITV  -   DISCIPLINA DE GASTRONOMIA

13ª Aula , 09 de Fevereiro de 2015

 GASTRONOMIA DO  CARNAVAL







Em  período de carnaval, não é possível  deixar  de  aludir a uma gastronomia  própria, sobretudo encontrando-mos num concelho em que o carnaval  se vive intensamente  revestido de simbologia, onde a gastronomia não fica de parte.


O texto que hoje apresento é em grande parte repetição do que apresentei há  quatro  anos atrás e até  já  publiquei em Mimos da Terra, mas faço-o  porque  ainda não encontrei informação  que acrescente  mais ao tema do carnaval do que a dos  exímios autores, que tive oportunidade de consultar, os quais menciono ao longo do texto.





 Como o tema da minha pesquisa foi a gastronomia, segui nessa esteira,  recuando na história das tradições que chegaram até hoje.











As tradições do Carnaval, embora com outras designações e em épocas diferentes, perdem-se no tempo, num estudo de J. A. Salvado, para a História das Festas [1], o autor faz referência a outros autores que  chegam a remontar essas celebrações  ao paleolítico.
Em todo o mundo e em todas as civilizações, o carnaval é no essencial uma época de exaltação que sempre teve e continua a ter uma presença popular.







Segundo Martine  Grimber ( séc. XVI) citado pelo mesmo autor (J.A.Salvado), o carnaval tem muitas semelhanças com as Festas dos Loucos que diz: Se insere num contexto religioso  de festas cíclicas que,  tal como os festejos de carnaval, são um  misto de mito de animismo, de religião e de vida jogados com as forças da natureza. 





 




Mas estas, diz o mesmo autor, eram festas de cariz religioso, enquanto nas  festas de carnaval não  são encontrados quaisquer indícios com essas características, não obstante todas as religiões as terem  tentado sacralizar.
















CARNAVAL ou  ENTRUDO

 A designação de Entrudo com sentido de carnaval, ainda segundo J.A Salvado, é  usada apenas na Península Ibérica e encontrada  pela primeira vez na Chancelaria de D. Afonso III  (séc. XII) pelo que, prossegue o mesmo, nos sugere um conceito histórico específico, que terá a ver com os confrontos  entre Cristãos e Muçulmanos  dessa época   na Península.

Se esses confrontos tiverem alguma coisa a ver com o carnaval, ou entrudo como era designado o carnaval  na Península Ibérica,  como parece que tiveram, então temos o carnaval com um passado de implicância religiosa ibérica, sendo essa ideia reforçada pela gastronomia  da quadra festiva do carnaval, onde prevalecem a carne de porco e as filhós.



 
A expressão muito usada  de que no entrudo vale tudo é equivalente à de que no carnaval nada parece mal,  sabendo que a palavra  vale  significa para  os espanhóis  o mesmo que  está bem  para os portugueses.












O carnaval, pelo que ainda hoje é vivido  e por aquilo  que sobre ele alguns especialistas  nos informam,  foi sempre uma  sátira, uma sátira ao outro; ao vizinho, ao pobre, ao rico, ao político, ao religioso, ao preto, ao branco, a tudo!







No que respeita a gastronomia, propriamente de carnaval, vamos encontrar a sátira expressa nas iguarias da época, principalmente referida à carne de porco e às filhós.





A carne de porco, proibida  aos muçulmanos e muito apreciada pelos cristãos, constituía, e constitui, uma referência gastronómica na Península Ibérica e o principal prato das festividades de carnaval; carne de porco frita, carne de porco cozida, carne de porco assada e de todas  as maneiras. Também porque coincidia  esta época com a das matanças de porco.





Quanto às filhós, as mais  usadas no carnaval, que são as filhós estendidas, também chamadas orelhas de abade, com elas  escarneciam os muçulmanos  dos cristãos.







O sagrado alimento da sua religião cristã, o pão, passa a dar lugar a um pedaço de massa frita em formato  de orelhas.








Ora, como  no carnaval nada parece mal,  então cada um   satiriza  o outro  com o que tem  de mais sagrado, tirando partido gastronómico, neste caso com os fritos,  muito característicos da cozinha árabe.
 Embora, continuando a citar J. A. Salvado, o uso das filhós pelo carnal, designadamente em Lisboa,  só apareça  em notícia a partir do século XVIII. No entanto, a difusão  do uso das filhós pelo carnaval  na Europa é indício de um consumo muito mais antigo, que vem corroborar a versão  de  confronto entre muçulmanos e cristãos na Península Ibérica (sécs. XI a XIII).

O que ultimamente se vê mais defendido sobre o étimo de carnaval é carne vale que, embora carecendo de mais explicações, nos conduz à ideia de que no carnaval tudo vale, até escarnecer  cada um sobre  os seus credos e códigos de valores, abundantemente expressos na gastronomia. É conhecido do léxico gastronómica a expressão:  diz-me o que comes e dir-te-ei quem és.
Pelo que se possa  interpretar da literatura reportada a esse tempo  parece que as provocações  ficavam mesmo pela sátira e não geravam conflito. Assim como nasciam com o entrudo, eram enterradas com ele. De resto, outro tipo de literatura histórica designadamente a referida ao vinho, mostra a convivencialidade entre cristãos e muçulmanos desse tempo.

Sobre a origem do vocábulo entrudo,  segundo os etimologistas, ele derivará do latim introitus o que significa entrada, que pode significar o fim da estação tenebrosa do inverno com a expectativa  da nova estação de primavera, podendo também  ser entendida como invasão, assalto de carnaval. Uma e outra são usadas em Portugal para designar o mesmo, passando a de entrudo, cujas referências se encontram a partir do século XII, a dar lugar à de  carnaval, encontrada a partir do século XVI.



Pela mesma literatura e pela nossa própria constatação, julgamos poder dar razão ao epíteto dado ao carnaval de Torres Vedras, de que ele é o mais português (mais tradicional) de Portugal. Através dos estereótipos locais, livres  e espontâneos, o povo exterioriza os sentimentos, enaltecendo ou esmagando gestos e atitudes, trazendo ao tribunal da ironia tudo o que sem máscara não faria.




Salvo alguns redutos, referidos por Venerando de Matos,[3] com mais tradições populares, como sejam: Os Caretos de Miranda do Douro; a Dança das Cruzes de Cabanas do Viriato, ou o carnaval da Nazaré; é o carnaval de Torres Vedras, como festejo de maior expansão,  que ainda mantém a espontaneidade e a presença da tradição. Sendo justo lembrar Loures e outros concelhos vizinhos que também continuam a manter tradições revestidas  de sentimentos populares, satirizando e denunciando situações, que  de outra maneira não o conseguiriam fazer.

No final dos festejos de carnaval, com o enterro do entrudo,
tradição bem popular, na qual, entre outros significados podemos encontrar o de enterrar o mal referente à estação do Inverno, que traz consigo o espectro da morte. Podemos, por outro lado encontrar o de crepir pela  folia que se acabou. Mas, no fundo é o desfecho das festas com decretos, condenações e absolvições, tudo em julgamento público e teatral.  
Ao enterro do entrudo, ou carnaval também alguns populares associam o enterro do bacalhau, temos mais uma vez a gastronomia nesta manifestação popular. Porem o enterro do bacalhau servindo igualmente  de  protesto  e de crítica  ao reprovável, feito em forma teatral como a de carnaval, acontece já no fim da quaresma.
Esta prática popular, não sendo tão antiga como a do carnaval, já conta com uns cinco séculos em Portugal, continuando a ser praticada  em algumas  localidades do país,  com o mesmo  sentido crítico e  jocoso  onde  o bacalhau serve de pretexto.

Como  gastronomia de carnaval seguem  duas receitas de  cozido de porco da região saloia, dos dezasseis  encontrados  nas várias regiões do país, os quais  se encontram  na aula 19ª do ano de 2012/2013, mais a receita das  filhós estendidas ou orelhas de abade que se encontram em Cozinha Familiar do ano de 2010/2011 .
               
COZIDO  DE  PORCO

Ingredientes:  (para 12 doses)

250g de entrecosto, 200g de chispe, 150 g de orelha, 200g de focinho, 150g de toucinho fumado, 125g de farinheira, 150g de chouriço da carne, 125g de chouriço de sangue,250g de feijão catarino, 500g de couve lombarda, 200g de cenouras, 250g de nabo, 250g de abóbora, 500g de batata, água e sal que baste. 


Nutrientes
por  dose  
V. E.
Prot.
Gord.
H.C.
F.A.
kcal
g
g
g
g
547
24
39
28
8



Confecção:                
Limpam-se as peças de  carne e salgam-se,   põe-se  o feijão de molho cerca de 4 a 8 horas antes. Lavam-se as  carnes  salgadas para lhes retirar o sal, põem-se  a cozer e vão-se retirando cada peça    logo que esteja  cozida.
Põe-se o feijão a cozer noutra panela em água temperada de sal, juntamente com o chouriço de carne picado com um alfinete, pica-se também o chouriço de sangue e coze-se à parte.
Quando o feijão e o chouriço estiverem cozidos junta-se-lhe um pouco de caldo de cozer as diversas peças de carne e deixam-se  ferver mais um pouco em lume brando para apurar e receber o sabor do caldo da carne.
Põe-se  a farinheira de molho um bocado em água fria para amolecer a pele, preparam-se as hortaliças e cozem-se  sobrepostas  no caldo da carne, juntando mais água se for necessário.  Primeiro põem-se a cozer as cenouras descascadas abertas e cortadas ao meio, os  nabos cortadas aos bocados e igualmente as couves. Deixa-se  ferver tudo um pouco e põem-se  as batatas descascadas e cortadas ao meio, nessa altura põe-se também na panela  e a farinheira picada.
Parte-se  a abóbora às talhadas, descasca-se e sobrepõe-se  às batatas quando estas estiverem a meio da cozedura.
Quando as hortaliças estiverem cozidas, retiram-se da panela com uma escumadeira  e colocam-se num escorredor.
Depois de retirada a hortaliça, volta  a pôr-se na panela, todas as peças de carne e os enchidos, para que e aqueçam e os sabores se misturem.
Retiram-se as variedades de carne do caldo, cortam-se aos bocados pequenos e colocam-se numa travessa, cortam-se os enchidos em rodelas e sobrepõem-se às outras  carnes, noutra travessa dispõe-se  as hortaliças, o feijão deve ser colocado em travessa funda ou num tachinho de barro.
Serve-se o cozido  bem quente acompanhado de pão saloio  e de vinho tinto da regional.



           
COZIDO SALOIO
                                    (Receita de Tesouro da  Cozinha Regional Portuguesa, Maria Odette Cortes Valente)


Ingredientes: (para 8 doses)

1,5kg de cabeça de porco, 150g de chouriço de sangue, 100g de farinheira, 250g de feijão branco, 500g de nabo com rama, 500g de grelos de nabo, 500g de abóbora porqueira, 400g de batatas, 100g de massa macarrão, sal que baste.
           
           




Confecção:
Põe-se o feijão de molho 8 a 12 horas antes de o cozer.
Limpa-se bem a cabeça de porco e põe-se a cozer juntamente com o feijão.
Quando ambos estiverem quase cozidos juntam-se o chouriço e a farinheira, os nabos e os grelos  preparados e cortadas aos bocados grandes, a abóbora e as batatas descascadas e igualmente cortadas aos bocados grandes.
Depois de tudo cozido escorre-se do caldo em que se deita a massa de macarrão com a qual se faz uma sopa.

Nota: pode servir-se o mesmo cozido com fatias de pão saloio a embeber o caldo. 

Alimentos
Quant.
V.E.
Prot.
Gord.
H.C.
F. A.
g
kcal
g
g
g
g
Cabeça de porco*
800
2952
129
270
0
0
Chouriço de sangue
150
907,5
17,25
93,75
0
0
Farinheira
100
498
4,8
41
26,7
1,2
Feijão branco
250
692,5
52,5
3,5
109
57,25
Nabos com rama
500
80
2
2
15
10
Grelos de nabo
500
80
2
2,5
11,5
13
Batatas
400
356
10
0
76,8
6,4
Total
2700
5566
218
413
239
88
Nutrientes por dose ≈
696
27
52
30
11
*Referência no chispe

       
  











Obs:  Ao mesmo tipo de cozido a que se junta  chispe, também é costume chamar-se  chispalhada.
                                                              ( Composição  e  quantificação dos nutrientes  de Palmira Cipriano Lopes)



                             FILHÓS  ESTENDIDAS
             (Esta  receita  encontra-se em  Cozinha Familiar, AUTITV, 2010/2011)                     




Ingredientes: 

500g de farinha,50g de fermento de padeiro, 2 ovos, ½ dl de sumo de laranja, ½ dl de aguardente, aproximadamente 1 dl de água, 60g de açúcar para polvilhar, óleo, sal e canela que baste.

           

Confecção:                                                                                      
Deita-se  400g de farinha num alguidar e reserva-se a restante para juntar à massa, enquanto se vai amassando.
Desfaz-se o fermento em água tépida,  junta-se  à farinha e junta-se também o sal, os ovos, o sumo de laranja e a aguardente. 
 Começa a amassar-se  e vai-se deitando gotas de  água tépida aos poucos enquanto se amassa. Bate-se bem a massa até ela ficar branda e com ampolas.
Cobre-se o alguidar com um pano, sobrepõe-se-lhe um cobertor e deixa-se levedar em temperatura moderada e estável até a massa atingir o dobro do volume.
Aquece-se o óleo  numa frigideira funda e larga.
 Passam-se  as pontas dos dedos por água ou óleo,  retiram-se pequenas porções de massa, à mão,  estica-se cada uma  para dentro da frigideira e fritam-se em óleo bem quente.
Escorrem-se  sobre um papel absorvente e polvilham-se com açúcar e canela.

                 
Alimentos
Quant.
V. E.
Prot.
Gord.
H.C.
F.A.
g
Kcal.
g
g
g
g
Farinha
500
1765
45,5
9
365
18,5
Fermento padeiro
50
32
6,45
0,45
0,55
3,65
Ovos (2)
120
178,8
15,6
12,96
0
0
Açúcar
60
234,6
0
0
59,58
0
Laranja sumo
50
20,5
0,15
0,05
4,75
0
Água 
100
-
-
-
-
-
Óleo
120
1075,2
0
119,4
0
0
Totais
1000
3306
68
142
430
22
Nutrientes por 100g
413
8
18
54
3
Rendimento da receita 80 %  » 800g
                
Obs:
As filhós estendidas, também chamadas orelhas de abade (tal como é referido atrás), são usuais principalmente na quadra de carnaval.




      BOLO VERDE  

Surpreenda os seus amigos com um bolo de cor verde, sem corante artificial


Ingredientes:
Para a massa:
250g de farinha de trigo, 350g de açúcar, 4 ovos, 2 dl de óleo 1 colher de chá de fermento, sumo de um limão, 250g de espinafres.


Para a cobertura: 250g de açúcar em pó, 1 clara de ovo, umas gotas  de sumo de limão, 1 colher de sobremesa de glicerina.


Confecção:
Lavam-se as folhas de espinafres, retiram-se as nervuras, escaldam-se, escorrem- se  bem,  trituram-se com a varinha mágica e reservam-se tapadas.
Bate-se  o açúcar com os ovos inteiros  até se obter  uma  gemada cremosa,  junta-se  o sumo de limão, o óleo e os espinafres e volta a mexer-se  até  envolver bem. Seguidamente  junta-se a farinha peneirada com o fermento e  envolve-se em movimentos  largos e lentos.
Deita-se numa forma untada e forrada com papel vegetal, também ligeiramente untado e leva-se ao forno  previamente aquecido, durante cerca de 30 a 40 minutos, a temperatura moderada.
Quando se apresentar  cozido retira-se do forno, deixa-se arrefecer um pouco e desenforma-se puxando pelas pontas do papel.

Depois de frio barra-se com a cobertura que se prepara batendo bem o açúcar com a aclara de ovo e as gotas de limão. Quando estas começarem a endurecer mistura-se a glicerina e continua a bater-se até o creme ficar consistente e ao mesmo tempo maleável.  

Para a operação de barrar usa-se uma espátula com que se 
estende  o creme de cobertura por toda a superfície do bolo, com ele ainda sobre o papel vegetal. Depois de barrado passa-se para um prato de serviço e retira-se o papel vegetal, rasgando-o em todo o redor do bolo.
Pode concluir-se a cobertura, salpicando-a   com algum elemento alimentar de cor verde. 


 Obs: 
Deste bolo (como de outros) podem criar-se variantes, quer aromáticas, quer decorativas, quer mesmo dos ingredientes básicos. Informações complementares sobre estas  e outras técnicas culinárias, são ocasionalmente debatidas nas aulas. 

Bom Carnaval!
                        
Nota  final:   Texto  feito exclusivamente   para apoio das aulas de gastronomia da Universidade  da Terceira Idade de Torres Vedras, pela professora da disciplina, Palmira Cipriano Lopes.








[1]  Acta das Jornadas de  História, Edição da Câmara Municipal de Torres Vedras, com a Coordenação de  
   C. Guardado da Silva.       
[3] história das festas, op  cit

a
 

1 comentário:

  1. É simpático este bolo!... Estou tentada a experimentar fazê-lo. Continue a brindar-nos com petiscos fora do comum.

    ResponderEliminar