AUTITV - DISCIPLINA
DE GASTRONOMIA
13ª Aula , 09 de Fevereiro de 2015
GASTRONOMIA DO
CARNAVAL
Em período de
carnaval, não é possível deixar de aludir a uma gastronomia própria, sobretudo encontrando-mos num
concelho em que o carnaval se vive
intensamente revestido de simbologia, onde
a gastronomia não fica de parte.
O texto que hoje apresento é
em grande parte repetição do que apresentei há
quatro anos atrás e até já
publiquei em Mimos da Terra, mas faço-o
porque ainda não encontrei informação que acrescente mais ao tema do carnaval do que a dos exímios autores, que tive oportunidade de
consultar, os quais menciono ao longo do texto.
Como o tema da minha pesquisa foi a
gastronomia, segui nessa esteira,
recuando na história das tradições que chegaram até hoje.
As tradições do
Carnaval, embora com outras designações e em épocas diferentes, perdem-se no
tempo, num estudo de J. A. Salvado, para a História das Festas [1], o autor faz referência a outros autores que
chegam a remontar essas celebrações ao paleolítico.
Em todo o mundo e em todas as
civilizações, o carnaval é no essencial uma época de exaltação que sempre teve
e continua a ter uma presença popular.
Segundo Martine Grimber ( séc. XVI) citado pelo mesmo autor
(J.A.Salvado), o carnaval tem muitas semelhanças com as Festas dos
Loucos que diz: Se insere num contexto religioso de festas cíclicas que,
tal como os festejos de carnaval, são um
misto de mito de animismo, de religião e de vida jogados com as forças
da natureza.
Mas estas, diz o mesmo autor, eram
festas de cariz religioso, enquanto nas festas de carnaval não são
encontrados quaisquer indícios com essas características, não obstante todas as
religiões as terem tentado sacralizar.
CARNAVAL ou
ENTRUDO
A designação de Entrudo com
sentido de carnaval, ainda segundo J.A Salvado, é usada apenas na Península Ibérica e encontrada pela primeira vez na Chancelaria de D. Afonso
III (séc. XII) pelo que, prossegue o mesmo, nos sugere um conceito
histórico específico, que terá a ver com os confrontos entre Cristãos e Muçulmanos dessa época
na Península.
Se esses confrontos tiverem alguma coisa
a ver com o carnaval, ou entrudo como era designado o carnaval na
Península Ibérica, como parece que tiveram, então temos o carnaval com um
passado de implicância religiosa ibérica, sendo essa ideia reforçada pela
gastronomia da quadra festiva do carnaval, onde prevalecem a carne de
porco e as filhós.
A expressão muito usada de que no entrudo vale tudo é equivalente à de
que no carnaval nada parece mal, sabendo
que a palavra vale significa para os espanhóis o
mesmo que está bem para os portugueses.
O carnaval, pelo que ainda hoje é
vivido e por aquilo que sobre ele alguns especialistas nos informam, foi sempre uma sátira, uma sátira ao outro; ao
vizinho, ao pobre, ao rico, ao político, ao religioso, ao preto, ao branco, a
tudo!
No que respeita a gastronomia,
propriamente de carnaval, vamos encontrar a sátira expressa nas iguarias da
época, principalmente referida à carne
de porco e às filhós.
A carne de porco, proibida aos
muçulmanos e muito apreciada pelos cristãos, constituía, e constitui, uma referência gastronómica na Península
Ibérica e o principal prato das festividades de carnaval; carne de porco frita,
carne de porco cozida, carne de porco assada e de todas as maneiras. Também
porque coincidia esta época com a das
matanças de porco.
Quanto às filhós, as mais usadas no
carnaval, que são as filhós estendidas, também chamadas orelhas de abade, com elas escarneciam os muçulmanos dos
cristãos.
O sagrado alimento da sua religião cristã, o pão, passa a dar lugar a um
pedaço de massa frita em formato de
orelhas.
Ora, como no carnaval nada parece mal, então cada um satiriza o outro com o que tem de mais sagrado, tirando partido gastronómico,
neste caso com os fritos, muito característicos
da cozinha árabe.
Embora, continuando a citar J. A.
Salvado, o uso das filhós pelo carnal, designadamente em Lisboa, só
apareça em notícia a partir do século XVIII. No entanto, a difusão do uso das filhós pelo carnaval na Europa é indício de um consumo muito mais
antigo, que vem corroborar a versão de confronto entre muçulmanos e cristãos na Península
Ibérica (sécs. XI a XIII).
O que ultimamente se vê mais defendido
sobre o étimo de carnaval é carne vale que, embora carecendo de
mais explicações, nos conduz à ideia de que no carnaval tudo vale, até escarnecer
cada um sobre os seus credos e códigos
de valores, abundantemente expressos na gastronomia. É conhecido
do léxico gastronómica a expressão: diz-me
o que comes e dir-te-ei quem és.
Pelo que se possa interpretar da literatura reportada a esse
tempo parece que as provocações ficavam mesmo pela sátira e não geravam
conflito. Assim como nasciam com o entrudo, eram enterradas com ele. De resto,
outro tipo de literatura histórica designadamente a referida ao vinho, mostra a
convivencialidade entre cristãos e muçulmanos desse tempo.
Sobre a origem do vocábulo
entrudo, segundo os etimologistas, ele derivará do latim introitus
o que significa entrada, que
pode significar o fim da estação tenebrosa do inverno com a expectativa da nova estação de primavera, podendo
também ser entendida como invasão,
assalto de carnaval. Uma e outra são usadas em Portugal para designar o mesmo,
passando a de entrudo, cujas referências se encontram a partir do século XII, a
dar lugar à de carnaval, encontrada a partir do século XVI.
Pela mesma literatura e pela nossa
própria constatação, julgamos poder dar razão ao epíteto dado ao carnaval de
Torres Vedras, de que ele é o mais português (mais tradicional) de Portugal.
Através dos estereótipos locais, livres
e espontâneos, o povo exterioriza os sentimentos, enaltecendo ou
esmagando gestos e atitudes, trazendo ao tribunal da ironia tudo o que sem máscara não faria.
Salvo alguns redutos, referidos por
Venerando de Matos,[3] com mais tradições
populares, como sejam: Os Caretos de Miranda do Douro; a Dança das Cruzes de
Cabanas do Viriato, ou o carnaval da Nazaré; é o carnaval de Torres Vedras,
como festejo de maior expansão, que ainda mantém a espontaneidade e a
presença da tradição. Sendo justo lembrar Loures e outros concelhos vizinhos
que também continuam a manter tradições revestidas de sentimentos
populares, satirizando e denunciando situações, que de outra maneira não
o conseguiriam fazer.
No final dos festejos de carnaval, com o
enterro do entrudo,
tradição bem popular, na qual, entre outros significados
podemos encontrar o de enterrar o mal referente à estação do Inverno, que traz
consigo o espectro da morte. Podemos, por outro lado encontrar o de crepir pela
folia que se acabou. Mas, no fundo é o
desfecho das festas com decretos, condenações e absolvições, tudo em julgamento
público e teatral.
Ao enterro do entrudo, ou carnaval também alguns populares associam o
enterro do bacalhau, temos mais uma vez a gastronomia nesta manifestação popular.
Porem o enterro do bacalhau servindo igualmente
de protesto e de crítica ao reprovável, feito em forma teatral como a
de carnaval, acontece já no fim da quaresma.
Esta prática popular, não sendo tão antiga como a do carnaval, já conta com
uns cinco séculos em Portugal, continuando a ser praticada em algumas
localidades do país, com o mesmo sentido crítico e jocoso onde o
bacalhau serve de pretexto.
Como gastronomia de carnaval seguem duas receitas de cozido de porco da região saloia, dos
dezasseis encontrados nas várias regiões do país, os quais se encontram
na aula 19ª do ano de 2012/2013, mais a receita das filhós estendidas
ou orelhas de abade que se encontram em Cozinha Familiar do ano de 2010/2011 .
COZIDO DE
PORCO
Ingredientes: (para 12 doses)
250g
de entrecosto, 200g de chispe, 150 g de orelha, 200g de focinho, 150g de
toucinho fumado, 125g de farinheira, 150g de chouriço da carne, 125g de
chouriço de sangue,250g de feijão catarino, 500g de couve lombarda, 200g de
cenouras, 250g de nabo, 250g de abóbora, 500g de batata, água e sal que baste.
Nutrientes
por dose
|
V. E.
|
Prot.
|
Gord.
|
H.C.
|
F.A.
|
kcal
|
g
|
g
|
g
|
g
|
|
547
|
24
|
39
|
28
|
8
|
Confecção:
Limpam-se
as peças de carne e salgam-se, põe-se
o feijão de molho cerca de 4
a 8 horas antes. Lavam-se as carnes
salgadas para lhes retirar o sal, põem-se a cozer e vão-se retirando cada peça logo que esteja cozida.
Põe-se
o feijão a cozer noutra panela em água temperada de sal, juntamente com o
chouriço de carne picado com um alfinete, pica-se também o chouriço de sangue e
coze-se à parte.
Quando
o feijão e o chouriço estiverem cozidos junta-se-lhe um pouco de caldo de cozer
as diversas peças de carne e deixam-se
ferver mais um pouco em lume brando para apurar e receber o sabor do
caldo da carne.
Põe-se a farinheira de molho um bocado em água fria
para amolecer a pele, preparam-se as hortaliças e cozem-se sobrepostas
no caldo da carne, juntando mais água se for necessário. Primeiro põem-se a cozer as cenouras
descascadas abertas e cortadas ao meio, os
nabos cortadas aos bocados e igualmente as couves. Deixa-se ferver tudo um pouco e põem-se as batatas descascadas e cortadas ao meio,
nessa altura põe-se também na panela e a
farinheira picada.
Parte-se a abóbora às talhadas, descasca-se e
sobrepõe-se às batatas quando estas
estiverem a meio da cozedura.
Quando
as hortaliças estiverem cozidas, retiram-se da panela com uma escumadeira e colocam-se num escorredor.
Depois
de retirada a hortaliça, volta a pôr-se
na panela, todas as peças de carne e os enchidos, para que e aqueçam e os
sabores se misturem.
Retiram-se
as variedades de carne do caldo, cortam-se aos bocados pequenos e colocam-se
numa travessa, cortam-se os enchidos em rodelas e sobrepõem-se às outras carnes, noutra travessa dispõe-se as hortaliças, o feijão deve ser colocado em
travessa funda ou num tachinho de barro.
Serve-se
o cozido bem quente acompanhado de pão
saloio e de vinho tinto da regional.
COZIDO SALOIO
(Receita de Tesouro da Cozinha Regional
Portuguesa, Maria Odette Cortes Valente)
Ingredientes:
(para
8 doses)
1,5kg
de cabeça de porco, 150g de chouriço de sangue, 100g de farinheira, 250g de
feijão branco, 500g de nabo com rama, 500g de grelos de nabo, 500g de abóbora
porqueira, 400g de batatas, 100g de massa macarrão, sal que baste.
Confecção:
Põe-se
o feijão de molho 8 a 12 horas antes de o cozer.
Limpa-se
bem a cabeça de porco e põe-se a cozer juntamente com o feijão.
Quando
ambos estiverem quase cozidos juntam-se o chouriço e a farinheira, os nabos e
os grelos preparados e cortadas aos
bocados grandes, a abóbora e as batatas descascadas e igualmente cortadas aos
bocados grandes.
Depois
de tudo cozido escorre-se do caldo em que se deita a massa de macarrão com a
qual se faz uma sopa.
Nota: pode servir-se o mesmo cozido
com fatias de pão saloio a embeber o caldo.
Alimentos
|
Quant.
|
V.E.
|
Prot.
|
Gord.
|
H.C.
|
F. A.
|
g
|
kcal
|
g
|
g
|
g
|
g
|
|
Cabeça de
porco*
|
800
|
2952
|
129
|
270
|
0
|
0
|
Chouriço de
sangue
|
150
|
907,5
|
17,25
|
93,75
|
0
|
0
|
Farinheira
|
100
|
498
|
4,8
|
41
|
26,7
|
1,2
|
Feijão branco
|
250
|
692,5
|
52,5
|
3,5
|
109
|
57,25
|
Nabos com rama
|
500
|
80
|
2
|
2
|
15
|
10
|
Grelos de nabo
|
500
|
80
|
2
|
2,5
|
11,5
|
13
|
Batatas
|
400
|
356
|
10
|
0
|
76,8
|
6,4
|
Total
|
2700
|
5566
|
218
|
413
|
239
|
88
|
Nutrientes por dose ≈
|
696
|
27
|
52
|
30
|
11
|
|
*Referência no
chispe
|
Obs: Ao mesmo tipo de cozido
a que se junta chispe, também é costume
chamar-se chispalhada.
( Composição e quantificação dos nutrientes de Palmira Cipriano Lopes)
FILHÓS ESTENDIDAS
(Esta receita encontra-se em Cozinha Familiar, AUTITV, 2010/2011)
Ingredientes:
500g
de farinha,50g de fermento de padeiro, 2 ovos, ½ dl de sumo de laranja, ½ dl de
aguardente, aproximadamente 1 dl de água, 60g de açúcar para polvilhar, óleo,
sal e canela que baste.
Confecção:
Deita-se 400g de farinha num alguidar e reserva-se a
restante para juntar à massa, enquanto se vai amassando.
Desfaz-se
o fermento em água tépida, junta-se à farinha e junta-se também o sal, os ovos, o
sumo de laranja e a aguardente.
Começa a amassar-se e vai-se deitando gotas de água tépida aos poucos enquanto se amassa.
Bate-se bem a massa até ela ficar branda e com ampolas.
Cobre-se
o alguidar com um pano, sobrepõe-se-lhe um cobertor e deixa-se levedar em
temperatura moderada e estável até a massa atingir o dobro do volume.
Aquece-se
o óleo numa frigideira funda e larga.
Passam-se
as pontas dos dedos por água ou óleo,
retiram-se pequenas porções de massa, à mão, estica-se cada uma para dentro da frigideira e fritam-se em óleo
bem quente.
Escorrem-se sobre um papel absorvente e polvilham-se com
açúcar e canela.
Alimentos
|
Quant.
|
V. E.
|
Prot.
|
Gord.
|
H.C.
|
F.A.
|
g
|
Kcal.
|
g
|
g
|
g
|
g
|
|
Farinha
|
500
|
1765
|
45,5
|
9
|
365
|
18,5
|
Fermento
padeiro
|
50
|
32
|
6,45
|
0,45
|
0,55
|
3,65
|
Ovos
(2)
|
120
|
178,8
|
15,6
|
12,96
|
0
|
0
|
Açúcar
|
60
|
234,6
|
0
|
0
|
59,58
|
0
|
Laranja
sumo
|
50
|
20,5
|
0,15
|
0,05
|
4,75
|
0
|
Água
|
100
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
Óleo
|
120
|
1075,2
|
0
|
119,4
|
0
|
0
|
Totais
|
1000
|
3306
|
68
|
142
|
430
|
22
|
Nutrientes por
100g
|
413
|
8
|
18
|
54
|
3
|
|
Rendimento da receita 80 % » 800g
|
Obs:
As filhós estendidas, também chamadas orelhas de abade (tal como é referido atrás), são usuais principalmente na quadra de
carnaval.
BOLO VERDE
Surpreenda os seus amigos com um bolo de cor verde, sem corante artificial
Ingredientes:
Para a massa:
250g
de farinha de trigo, 350g de açúcar, 4 ovos, 2 dl de óleo 1 colher de chá de
fermento, sumo de um limão, 250g de espinafres.
Para a cobertura: 250g
de açúcar em pó, 1 clara de ovo, umas gotas de sumo de limão, 1 colher de sobremesa de glicerina.
Confecção:
Lavam-se
as folhas de espinafres, retiram-se as nervuras, escaldam-se, escorrem- se bem, trituram-se com a varinha mágica e reservam-se tapadas.
Bate-se o açúcar com os ovos inteiros até se obter uma
gemada cremosa, junta-se o sumo de limão, o óleo e os espinafres e
volta a mexer-se até envolver bem. Seguidamente junta-se a farinha peneirada com o fermento
e envolve-se em movimentos largos e lentos.
Deita-se
numa forma untada e forrada com papel vegetal, também ligeiramente untado e leva-se
ao forno previamente aquecido, durante
cerca de 30 a 40 minutos, a temperatura moderada.
Quando
se apresentar cozido retira-se do forno,
deixa-se arrefecer um pouco e desenforma-se puxando pelas pontas do papel.
Depois
de frio barra-se com a cobertura que se prepara batendo bem o açúcar com a aclara de ovo e as gotas de limão. Quando estas começarem a endurecer mistura-se a glicerina e continua a bater-se até o creme ficar consistente e ao mesmo tempo maleável.
Para
a operação de barrar usa-se uma espátula com que se
estende
o creme de cobertura por toda a superfície do bolo, com ele ainda sobre
o papel vegetal. Depois de barrado passa-se para um prato de serviço e
retira-se o papel vegetal, rasgando-o em todo o redor do bolo.
Pode concluir-se a cobertura, salpicando-a com algum elemento alimentar de cor verde.
Obs:
Deste bolo (como de outros) podem criar-se variantes, quer aromáticas, quer decorativas, quer mesmo dos ingredientes básicos. Informações complementares sobre estas e outras técnicas culinárias, são ocasionalmente debatidas nas aulas.
Bom Carnaval!
Nota final:
Texto feito exclusivamente para apoio
das aulas de gastronomia da Universidade
da Terceira Idade de Torres Vedras, pela professora da disciplina,
Palmira Cipriano Lopes.
É simpático este bolo!... Estou tentada a experimentar fazê-lo. Continue a brindar-nos com petiscos fora do comum.
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