AUTITV
DISCIPLINA DE
GASTRONOMIA
6ª AULA, 24 de Novembro de 2014
A QUADRA DE NATAL
Vamos ao
encontro das iguarias da quadra
natalícia. O que é que temos de tradicionalmente mais português para colocar na mesa de Natal?
Em primeiro lugar o bacalhau,
claro! todos sabemos. O que talvez nem todos saibamos ou não estejamos a relacionar
os factos históricos da gastronomia, é que o bacalhau é um tipo de pescado conhecido dos portugueses
apenas a partir do século XV e o seu
uso não era então propriamente uma
iguaria de mesa festiva, mas antes um recurso alimentar que supria
a falta do peixe fresco principalmente para populações
mais distantes do mar.
Entretanto o bacalhau foi-se afirmando e constitui hoje uma das principais referências da
gastronomia portuguesa, onde se podem encontrar
bem mais de mil receitas, das quais
seleccionei as três seguintes:
- bacalhau espiritual,
FALANDO DE BACALHAU, VAMOS VER:
1. O SEU PERCURSO
HISTÓRICO
O bacalhau é uma espécie abundante nos mares gelados do
Norte do Atlântico e do Pacífico. Consta que foi descoberto pelos Vikings, quando navegavam nesses mares.
Estes, como não tinham sal, secavam
o pescado que lhes servia de alimento
nas viagens. Mas, teriam sido os Vascos,
habitantes das duas vertentes dos Pirenéus Ocidentais, do lado da Espanha e
França, que o teriam começado a salgar e comercializar.
Os portugueses só descobriram o bacalhau no século XV,
tendo-lhes servido de alimento nas grandes viagens dos descobrimentos.
O bacalhau salgado, espalhou-se pelo mundo, como alimento,
mas conquistou sobretudo os portugueses que inventaram uma infinidade de
maneiras de o cozinhar. Hoje, segundo os investigadores da espécie, esta
preciosa iguaria portuguesa, o fiel
amigo, corre risco de extinção.
2. BOA PREPARAÇÃO
2.1
A OPERAÇÃO DE DEMOLHAR
- Lave o bacalhau bem lavado em água corrente e ponha-o num
recipiente sobre uma grade para não ficar em contacto com o sal que deposita no
fundo. Cubra-o com água fria e deixe de molho
durante cerca de 24 a
36 horas, conforme a grossura das postas. Prove a água e mude-a quando estiver
salgada, deve faze-lo várias vezes durante a operação de demolhar. Depois de
dessalgado, escorra a água, passe em água corrente e, se pretender coze-lo,
coloque-o na panela, em água fria, preferivelmente separado de outros alimentos
e com a água um pouco acima da altura da posta. Não deixe o bacalhau cozer mais de 8 a 10
minutos, mas deve deixa-lo ficar na água da
cozedura durante cerca de 15 minutos. De seguida escorra-o e deixe-o
repousar cerca de 5 minutos no vapor da cozedura.
Uma receita
não portuguesa que, como tantas outras, se aporteguesou e até mudou de nome
Por mais que o bacalhau seja um prato português por excelência, encontrado em
mais de um milhar, ou talvez milhares de
receitas portuguesas. Esta receita de bacalhau é original da cozinha francesa,
onde foi considerada uma iguaria epicurista, sabendo-se que Epicuro foi um filosofo grego que
viveu 341-270 a.C.(Enc. Lelo Universal)
e que a doutrina epicurista está associada ao prazer dos sentidos, mas também
à sobriedade, à cultura do espírito e à prática da virtude
É conhecida desde o século XVIII,
a receita francesa de brandade de morue, original
da região de Nimes, produtora do bom
azeite de influência mediterrânica.
Esta brandade de bacalhau, teria sido servida à condessa Almeida Araújo num
restaurante da alta cozinha em França com o nome de «Brandade Chaude de Morue». Ao tempo as receitas de culinária não
eram encontradas com a facilidade com que são hoje e crê-se que ela teria sido comprada por bom preço,
pela mesma condessa, proprietária do luxuoso restaurante, «Cozinha Velha» que então abria nas instalações do Palácio de
Queluz no ano de 1947, onde passou a ser chamada de bacalhau espiritual.
Em meio século este prato, propriedade da
«Cozinha Velha» criou fama, saltou para os livros de culinária e passou a
popularizar-se, como qualquer prato vulgar de bacalhau, porém, é aqui, na vulgarização que reside a diferença.
O bacalhau espiritual, embora não tenha
segredos, carece de um tratamento
rigoroso e sem facilitismos. Considerada a culinária uma arte, ela pode e deve ser
criativa, mas sem nunca fugir à matriz
inicial que caracteriza a obra.
O que caracteriza a receita do Bacalhau Espiritual
é a sua espessura, a leveza do creme
de fluente à superfície, para mais consistente ao fundo do tabuleiro. Resultado
conseguido à custa da boa combinação dos
ingredientes, dos tempos e da cozedura, com muito grande importância para o
molho de Bechamel que é a alma deste
prato. Finalmente, pelas mãos e sensibilidade de quem o confecciona,
sendo nesta parte final que está o que incorrectamente é chamado de segredo.
Como tem sido afirmado várias
vezes nas nossas aulas de gastronomia, esta não é estática, antes pelo
contrário, a gastronomia é dinâmica e criativa, mas não degenerativa.
Aqui temos o exemplo de uma receita ao paladar francês
que se aportuguesou, podendo aceitar algumas diferenças, mas sempre no mesmo
registo.
RECEITA DO BACALHAU ESPIRITUAL
(Adaptação de Palmira Cipriano Lopes)
Ingredientes: (para 6 doses)
900g de bacalhau
(demolhado e limpo), 250g de chuchu, 400g de aboborinha (cougette),300g de cebolas pequenas,2 dentes grandes de alho, 1,25
dl de azeite, 200g de pão fino duro, 7,5 dl de leite meio gordo, ½ lt ≈ de
molho de bechamel, 3dl ≈ de água de cozer o bacalhau, 200g de iogurte natural,
80g de queijo ralado, 50g de pão ralado, sal q.b.
Confecção:
Coze-se -se o bacalhau demolhado (ver
processo de demolhar e cozer o bacalhau), depois de cozido, retira-se da água,
deixa-se arrefecer, limpa-se de peles e
espinhas, coloca-se num pano e desfia-se amassando-o no pano, como para os pasteis de bacalhau.
Mergulha-se o pão no leite morno,
em quantidade de leite suficiente
para que o pão fique bem embebido.
Descascam-se os Chuchus e
ripam-se com um ripador de legumes, lavam-se as courgettes, retiram-se os pés e
as pontas e ripam-se com a casca para junto dos chuchus.
Descascam-se as cebolas,
cortam-se ao meio no sentido vertical e traçam-se finamente em meias luas,
juntam-se os dentes de alho descascados
e picados, e levam-se (cebola e alho) ao lume a refogar com 1 dl de
azeite.
Logo que a cebola comece a vidrar
juntam-se os chuchus e as courgettes ripados, mexe-se e deixam-se cozer. Quando
estiverem cozidos junta-se o bacalhau
desfiado, mexe-se muito bem e deixa-se
ao lume durante cerca de 5 minutos .Prepara-se um molho d bechamel (ou
adquire-se já preparado) e
mistura-se-lhe o iogurte.
Espreme-se o pão do excesso de leite, junta-se ao preparado, mexe-se, junta-se cerca de metade do molho,
envolve-se tudo e rectifica-se o tempero de sal e picante.
Unta-se um tabuleiro com o
restante azeite, coloca-se dentro o preparado do bacalhau, cobre-se com o
restante molho e polvilha-se com o queijo misturado com o pão ralado.
Leva-se ao forno previamente
aquecido a cerca de 200º C durante 15 a 20 minutos.
Depois de douradinho retira-se do
forno e serve-se imediatamente.
Nota:
Por decisão pessoal, a cenoura
foi substituída por courgette, substituição que não adulterou o resultado
final.
MOLHO DE BECHAMEL
( Receita de O livro De Pantagruel, 1997)
Ingredientes:
1 colher de sopa de margarina (60g), 1colher de sopa de farinha
de trigo (20g), 5dl ≈ de leite meio
gordo, 80g de cenoura, 50g de cebola, sal que baste.
Valor
energético por 100g 108 kcalorias
Confecção:
Leva-se
cerca de 2/3 da margarina a lume lento
com a cenoura cortada às rodelas muito finas e a cebola picada muito miudinha, deixa-se
refogar um pouco e junta-se a restante manteiga e a farinha e mexe-se
imediatamente sem parar, não deixando que a farinha engrume.
Logo
que estejam impregnadas junta-se-lhe lentamente o leite quente e mexe-se
continuamente até levantar fervura,
adiciona-se o sal e continua a
mexer-se até a farinha cozer e ficar bem ligada, nessa altura retira-se do lume
e passa-se pela rede fina do passe vitte.
Se o triturarmos com a varinha trituradora em vez do passador, utilizando os
meios modernos que antigamente não havia, é mais prático e não fica pior.
Nesta
receita estamos a fazer a base do molho,
a espessura depende da utilização que lhe queiramos dar, se o quisermos mais líquido, juntamos
mais leite quente levamos novamente ao
lume e continuamos a mexer.
Se não o usar-mos imediatamente, na altura de servir pode
deitar-se mais um bocadinho de manteiga e de leite e voltar a mexer.
Obs:
O molho béchamel, a que incorrectamente também se chama molho branco,
teve origem em França no século XVII, criado por Luís de Béchamelde que entre outras ocupações, foi maître
d’hôtel de Luís XIV ( séc. XVII). O
molho béchamel é um clássico da cozinha francesa
especializada, que se internacionalizou.
BACALHAU
CONFITADO*
Ingredientes: (
para 8 doses)
1 kg de bacalhau, 500g
de brócolos ou grelos de couve, 250g de
feijão verde (facultativo)250 g de cenouras, 400g de couve - flor, 1 kg de
batatas,6 ovos, 2,5 dl de azeite, 4 dentes grandes de alho, 1 raminho de salsa
ou tomilho e, facultativamente, uma pitada de pimenta.
*Confitar,
do francês Confit que em culinária significa cozer
lentamente na própria gordura, como o
bacalhau é desprotegido de gordura confita, depois de cozido, em azeite.
Confecção:
Leva-se o bacalhau a cozer conforme
indicação no ponto 2.1 de O Bacalhau, atrás indicado. À parte cozem-se os vegetais introduzidos em água a ferver e
atendendo ao tempo de cozedura de cada um deles.
Quando estiverem cozidos retiram-se da água e
conservam-se quentes. Cozem-se os ovos colocados inicialmente em água fria e
deixam-se ferver durante 7 minutos, não mais para que não oxidem e ganhem a
desagradável cor acinzentada.
Deita-se o azeite numa frigideira
funda, os dentes de alho descascados e esmagados e deixa-se aquecer até
levantar fervura, retira-se do lume e introduz-se o bacalhau. Leva-se novamente
ao lume até o azeite iniciar fervura,
retira-se do lume e deixa-se o bacalhau a beberar durante 10 a 15 minutos.
Seguidamente coloca-se o bacalhau
numa travessa funda e aquecida, rega-se
com o azeite quente e dispõem-se os
vegetais e os ovos em volta.
PASTEIS
DE BACALHAU
Ingredientes:
400g de bacalhau,
1kg de batatas, 6 ovos, 100g de cebola, 1raminho de salsa, óleo q.b.
Nutrientes por 100g: 206 kcal, 12g de
prot., 11g de gord., 15g de h.c., 1 g de f. a.
Confecção:
Demolha-se o bacalhau por tempo não inferior a 24 horas,
até ele ficar dessalgado e coze-se preferivelmente sem sal (ver processo de
demolhar e cozer o bacalhau, ponto 2.1 atrás indicado).
Retira-se da água deixa-se enxugar e limpa-se de peles e espinhas.
Põe-se num pano e
amassa-se para o desfazer bem.
Cozem-se as batatas com casca, deixam-se enxugar
descascam-se e passam-se por um esmagador de batatas, ou pelo passe vite.
Juntam-se as batatas, o bacalhau, a cebola e a salsa
muito picadinhas e os ovos inteiros, um de cada vez. Mexe-se tudo muito bem à mão ou com uma colher de pau
e verifica-se o tempero de sal.
Põe-se o óleo numa
frigideira funda e leva-se ao
lume a aquecer.
Com a ajuda de
duas colheres de sopa moldam-se os pasteis directamente para a frigideira,
voltam-se e quando estiverem fritos escorrem-se sobre um papel absorvente.
História dos pasteis de
bacalhau: -Os pasteis de bacalhau tão apreciados dos
portugueses aparecem escritos pela 1ª vez em 1904 no livro de Bento da Maia,
Tratado de Cozinha e Copa, com o nome de Bolinhos de bacalhau
(Wikipédia.org/wiki/Bolinho de bacalhau). É este o nome que continuam a ter no norte do pais, enquanto
para sul se lhes chama pasteis, a verdade é que são os mesmos.
Esta
deliciosa iguaria sabe estar em todos os ambientes, nos de formalidade ou nos de
popularidade, tanto no serviço de luva branca ao lado de outras tantas
delícias, são convivas dos melhores néctares servidos em copo de cristal, como
em tabernas plebeias acompanhados de vinho corrente regional servido em caneca
de barro, ou ainda em ambientes
lúdicos a compor os farnéis de passeios.
Existem
várias receitas a partir da original,
esta é a nossa preferida.
Quanto a quantidades, o autor não as refere,
mas apenas os ingredientes e seu preparo. As quantidades desta receita, são da inteira responsabilidade da pesquisadora (PCL).
Obs:
O
consumo de óleo na fritura de receita foi de 8g por 100g de pasteis. Para
termos a certeza da quantidade de absorção de óleo,
pesa-se este antes de iniciar a fritura
e depois de a finalizar.
Em
segundo lugar na gastronomia de Natal
está o peru. O
peru para algumas mesas mais abastadas, porque estamos a falar de tradições e o
peru nem sempre foi o que é hoje. O
peru começou a aparecer na
gastronomia portuguesa no século
XVI, já posteriormente ao bacalhau e bem ao contrário deste, o peru era uma iguaria de alto luxo, daí ser, mesmo
depois de vulgarizado, o preferido da mesa de Natal.
O PERU
Ainda que com um receituário menos basto do que o
bacalhau, o peru não deixa de se poder
cozinhar de diversas maneiras, sendo a de
peru recheado e
assado no forno das mais famosas de
Natal, as quais seleccionei para esta aula.
Hoje está quase de parte a tarefa do abate doméstico, o animal
adquire-se já abatido e preparado, melhor assim, porque a tarefa do abate não é
para todos e deve ser apenas para quem percebe
do assunto e dispõe de equipamento próprio para o efeito.
O
peru,
cujo verdadeiro nome é Meleagris
gallopavo
foi e ainda é uma ave selvagem, encontrada em algumas coutadas do Leste da
América do Norte, que anteriormente à sua colonização (1606) já era domesticada pelos astecas havia
centenas de anos. Os espanhóis, ou os portugueses, segundo o espanhol Luís
Nunez, trouxeram-no para a Península Hibérica
no primeiro quartel do século XVI e daqui se disseminou rapidamente a toda a Europa, onde em cerca de 1580 já era
presença habitual em grandes festas senhoriais.
De
onde é realmente a origem do peru? - O
mais provável, segundo o autor, é que tenha sido achado no México em 1520,
aquando de uma expedição comandada pelo espanhol Hernando Cortês. Por outro lado, em Portugal acreditava-se, no século XVI que
a sua origem fosse do Peru, devido ao seu nome ter a ver com
esse topónimo, exportando-se daí para
Portugal. O peru viajou com os marinheiros portugueses para a Índia em 1524 com essa
denominação, onde depressa se impôs nas mesa de grande aparato a par de garças,
faisões, cisnes e pavões, e ainda hoje lá perdura.
Para
ilustração da sua real importância se refere que em 1531, quando o embaixador
D. Pedro de Mascarenhas ofereceu ao imperador Carlos V em Bruxelas, um banquete
a comemorar o nascimento do quinto filho
de D. João III, foram servidos, numa sala onde
ardia lenha de cana de canela de Ceilão, dezasseis pratos, entre eles
perdiz, leitão, peru, faisão, veado, javali, coelho e lebre, copiosamente
regados com vinhos portugueses, espanhóis, franceses, italianos, gregos e
húngaros, aos quais se seguiram quinze sobremesas variadas, das quais se
destacavam marmelos com açúcar, mel de tâmara, pimenta açucarada e espécies
aromáticas das Molucas.
Em 1534 Francois Rebelais mencionava-o, como galinha- da- índia (coq d’Inde, Dindon) entre as iguarias do seu Gargantu, e em 1549, o cabido de Notre Dame oferece a Catarina de Médicis um banquete onde esta foi presenteada com a visão
faustosa e a possibilidade de degustar, entre outras iguarias, sete perus
adultos e setenta perus pequenos, factos que confirmam da importância e
celeridade que o peru conquistou nos
grandes repastos franceses.
Em
Inglaterra, onde também foi introduzido
na categoria de bens de alto
gabarito, deram-lhe o nome de Turkey, talvez por ser
comercializado por mercadores da Turquia.
Em Itália, Bartolomeu Scappi incluía-o em 1570, no seu receituário de cozinha,
mostrando que o seu conhecimento sobre a ave
já viria de trás.
Em
Portugal há notícia do seu serviço em 1536 durante um banquete por D. João III.
Em 1647, cem anos mais tarde, aparece uma nova notícia sobre o já célebre peru
servido num banquete que D. Luísa de Gusmão, mulher de D. João IV, ofereceu às
suas damas da corte.
Com
certeza que nos cem anos volvidos muitos perus passaram pelos nobres e
faustosas mesas. É, no entanto, curioso
notar que a infanta D. Maria, nascida em 1538, que nos deixou o mais antigo registo de culinária
portuguesa, e que tinha seguramente conhecimento
da degustação e
Em
1680 no livro de Domingos Rodrigues,
cozinheiro de D. PedroII, o primeiro
livro de cozinha impresso em Portugal, que veio a ter duradouro êxito,
o mestre ensina a preparar o peru de
vinte e uma maneiras, sendo os principais processos o assado recheado ou assado sem recheio, cozido,
guisado e picado. O numero de receitas que lhe dedica
demonstra o apreço que havia pela
ave no meio da nobreza e grande
burguesia daquela época. No receituário de Francisco Borges Henriques datado de
1715 (citado por Drumond Braga) é sugerido o peru com arroz se o animal for
velho. A partir desta data o peru desaparece
quase por completo das sugestões culinárias dos mestres de cozinha(sic).
Cem
anos depois do primeiro livro de cozinha português surge o cozinheiro moderno de Lucas Rigaud, cozinheiro de D. Maria I com
a primeira edição em 1780, onde o autor subscreve 31 receitas de peru.
Em 1801 Carl Israel Ruders, sacerdote Sueco,
que viveu em Portugal de 1789 a 1802
descreve na sua correspondência de Lisboa, a invasão desta cidade por grandes bandos de perus, trazidos
pelos criadores com a finalidade de
serem vendidos na quadra natalícia . A descrição de Ruders permite-nos concluir
que, embora exista a ideia de que foi
Charles Dickeus, escritor que viveu entre 1812 e 1870, quem contribuiu para que
o peru se tornasse o prato emblemático
do dia de Natal, a sua presença
durante a quadra festiva natalícia era
anterior ao nascimento do escritor e manteve-se generalizada até aos nossos
dias. Inicialmente o peru era refeição
festiva do clero, da nobreza e da alta burguesia, vindo a impor-se pouco
a pouco, pelo menos uma vez por ano na mesa dos médios e pequenos burgueses.
No
último paragrafo do texto, o autor em referência descreve com
tamanha expressão a sorte última
da tão elevada ave que, para que o quadro não perca a sua expressão
original, transcreve-mo-lo na integra,
diz então o autor:
Hoje, montado em
série, vendido escahoado, mole e inteiro ou partido em bifes do peito,
“alerões” (como gostava Lucas Rigaud), coxões e de muitas outras desvairadas
maneiras, encolheu o monco, empalideceu as carúnculas, deixou de enfonar o papo para soprar com força, esqueceu como
se arma o rabo, perdeu o encanto e, embora se consuma cada vez mais, presta-se
a ser substituído, no trono natalício e no lugar de honra de outras refeições melhoradas, por viandas
mais distintas que lhos usurparão sem refrega
e lhe acabarão com um reinado de quase quinhentos anos. Contudo, a sua
longa e fantástica viagem através do tempo não terminou, e como atrás de tempo,
tempo vem, nada nos diz que no futuro
não possa readquirir novamente o prestígio
que começou a perder quando passaram a cria-lo em massa e o obrigaram a
expor-se nu ou esfrangalhado, nas prateleiras frias das catedrais de consumo
alimentar.
PERU RECHEADO
Receita
de Um
Mundo de Sabores, Selecções do Reader’s Digest, 1997, trabalhada e
modificada e por P C L
Ingredientes: (para
20 doses)
Um
peru com cerca de 4 kg, 150g de margarina, 50g de toucinho fumado, 300g de
carne de porco, 100g de fiambre, 100g de presunto, 200g de miolo de pão, 1,5 dl
de leite meio gordo, 2 ovos, 100g de pikles, 100g de azeitonas, 300g de cebola,
3 dentes de alho, 2dl de vinho branco, 1 raminho de salsa, sal e pimenta que
baste.
Nutrientes por dose: 465 kcal, 48g prot.26g de gord., 9g de h.c., 1 g de f. a.
Confecção:
Limpa-se
o peru, picam-se os miúdos e as
restantes carnes na picadora.
Pica-se
uma cebola e os dentes de alho e
refogam-se ligeiramente com cerca de
1/3 da margarina. Juntam-se a
salsa picada, as azeitonas descaroçadas
e os picles picadinhos, o miolo de pão amolecido no leite e uma cenoura cozida
cortada às tiras finas, os ovos o sal e a pimenta.
Mexe-se
tudo envolvendo muito bem para fazer uma pasta macia e recheia-se o peru com essa pasta.
Primeiro o papo que de seguida se cose
com uma agulha e linha, seguidamente recheia-se a barriga pelo mesmo processo.
Atam-se as pernas e as asas com guita de
cozinha, para que elas fiquem ajustadas ao corpo do peru. Coloca-se este num tabuleiro, rega-se com
a restante manteiga ou margarina
derretida e misturada com cerca de metade do vinho que se tem aquecido.
A
meio da cozedura rega-se o peru com o restante vinho e deixa-se assar.
Depois
de assado retiram-se as guitas e as linhas e trincha-se.
Obs:
Um acompanhamento de arroz de passas, cenouras estufadas e
salada de agriões, liga muito bem.
A receita do peru serve
igualmente para frango, ou outra ave.
O recheio pode ser outro, mais
simples ou mais a gosto.
O acompanhamento não está contabilizado no quadro dos
valores nutricionais.
PERU
ASSADO NO FORNO
Ingredientes: (para 12 doses)
Um peru de cerca de 3kg, 1limão médio, 4 dl de vinho branco, 100g de banha,
100g de margarina, 250g de toucinho fumado, 20g de colorau, 2 vagens de
malagueta, 4 dentes de alho, 2 folhas de louro, sal q.b.
Nutrientes por
dose: 554 kcal, 54g de
prot., 37g de gord., 0,03 g de
h.c., 0 g de f. a.
Confecção:
Prepara-se o peru (de preferência perua), pode
assar-se inteiro, metade ou um quarto.
Põe-se, todo ou a
parte que se quer preparar, em água com rodelas de limão e um pouco de sal e
deixa-se ficar de 4 a
8 horas.
Corta-se o
toucinho às tiras finas, abrem-se orifícios no peito do peru e
introduzem-se as tiras do toucinho.
Faz-se uma pasta para
barrar com a margarina, a banha, o colorau, o alho pisado, a malagueta
picadinha e um pouco de sal.
Dá-se uma fervura
rápida ao vinho branco misturado com o louro e rodelas de limão, podem ser as
mesmas que estiveram na água com o peru, deita-se um pouco deste vinho no preparado, mistura-se bem com a colher de pau e barra-se
o peru com esta pasta. Se for inteiro dobra-se-lhe as pontas das asas para
dentro ou amarram-se com uma guita de cozinha e amarra-se também as pernas.
Coloca-se
o peru num tabuleiro, mistura-se
um pouco de água no vinho que se levou a ferver e deita-se por cima dele, cobre-se com uma folha de papel de alumínio e põe-se
no forno, de preferência forno de lenha.
Quando o assado
estiver a mais de meio retira-se o papel para a carne corar.
Quando estiver
pronto retira-se do forno e
serve-se de preferência quente
acompanhado de batatas salteadas e
salada.
DOCES DE NATAL
Como
doçaria, das inúmeras iguarias
natalícias escolhi três:
A
começar pelo Bolo Rei, vamos à sua origem,
|
Aspecto do Bolo Rei original |
será ele português? Não nos desiludamos,
o bolo rei não é português. Do
que sabemos este bolo data da época
romana. Mais tarde foi associado, pelos
cristãos, à visita dos reis magos ao Menino Jesus no presépio.
Inicialmente o bolo rei não tinha
cobertura de frutas, era como hoje, moldado em forma de coroa real e dourado com
gema de ovo.
Quanto à massa também não era bem a mesma, mas uma massa
folhada e recheada.
Este
bolo foi muito apreciado na corte
francesa, de onde se divulgou a partir
do século XVI, tendo chegado a Portugal
apenas em 1910. Embora tardiamente
tornou-se tão popular que já ganhou direitos de cidadania, sendo
indispensável na mesa natalícia.
BOLO
REI CASEIRO
(Receita
cedida por Maria José Dias de S. Mamede
de Ventosa)
Ingredientes: (para
três bolos médios)
1kg de farinha par a massa, 50g de farinha para tender, 50g de fermento
de padeiro, 2,5 dl de leite, 200g de açúcar areado, 50g de açúcar em pó, 6ovos,
200g de margarina, ½ dl de aguardente, 250g de frutas cristalizadas, 80g de
nozes, 80g de amêndoas, 1 pitada de sal.
Nutrientes por
dose: 374 kcal, 8g de
prot., 15g de gord., 50 g de h.c.,
3 g de f. a.
Confecção:
Reservam-se
algumas frutas para decorar o bolo e cortam-se
as restantes em pedacinhos miúdos
e envolvem-se na aguardente. Desfaz-se
o fermento com o leite morno.
Deita-se num alguidar cerca de 750g de farinha, a margarina e o açúcar,
envolvem-se bem, junta-se o fermento desfeito no leite e começa-se
a amassar .
Vai-se juntando os ovos aos poucos, incorporando a
restante farinha e continuando a amassar, batendo bem a massa. Quando esta começa a fazer
bolhas e a despegar-se das mãos está pronta, nessa altura juntam-se as frutas
partidas, envolvendo-as bem.
Faz-se uma bola com
a massa ajeitada ao alguidar, cobre-se com um pano, abafa-se o alguidar com um cobertor e deixa-se a massa levedar a temperatura tépida e estável, durante cerca
de 3 a 4 horas, até ela crescer cerca do dobro do volume.
Quando a massa estiver lêveda, retira-se do
alguidar e divide-se em três partes.
Coloca-se cada pedaço da massa num tabuleiro untado e
polvilhado com farinha ou forrado com papel vegetal, também ligeiramente untado.
Forma-se uma bola e abre-se ao centro um
buraco largo e enrola-se o bolo
no feitio de uma rodela. Decora-se com
as frutas inteiras que se reservaram, pincela-se com gema de ovo diluída num pouco de leite e
sobrepõe-se-lhe montinhos de açúcar.
Leva-se a cozer de preferência em forno de lenha durante cerca de meia hora.
Se cozermos noutro forno ele deve estar previamente aquecido e a
temperatura alta inicialmente, devendo ser reduzida a partir do meio da
cozedura.
Quando
retirarmos o bolo do forno pincela-se
ainda quente, com uma geleia de marmelo ou maçã ou calda de açúcar,
qualquer delas, muito leve.
BOLO
REI INDUSTRIAL
(Receita da PRODIPANI)
Ingredientes:
500g de farinha
composta prodipani, 1 a 2 dl de água, ¼
dl de xarope
(Pode ser vinho licoroso, porto ou outro ou mistura de xarope não alcoólico com um pouco de aguardente), 2 ovos, 40g de fermento de
padeiro, 200g de frutas cristalizadas, 200g de frutas secas picadas, 100g de
sultanas, 50g de nozes, 100g de amêndoas.
Confecção:
Juntam-se
todos os ingredientes e amassam-se até se obter uma massa fina e elástica.
Deixa-se
a massa repousar durante cerca de 5 minutos.
Seguidamente
juntam-se as frutas picadas e deixa-se a massa repousar mais cerca de 15
minutos.
Ao
fim desse tempo tende-se o bolo em forma de coroa. A receita dá para um bolo
grande ou dois pequenos, se fizermos dois bolos
dividimos a massa ao meio.
Como
se tende:
Moldada
a massa em forma de bola, abre-se nela um buraco ao meio e vai-se abrindo para
fora até ficar uma rodela larga.
Depois
do bolo tendido deixa-se levedar durante
cerca de 1 hora. Antes de por no forno pinta-se com gema de ovo diluída num
pouquinho de leite e decora-se com as frutas secas e cristalizadas.
Depois
de cozido, retira-se do forno e imediatamente a seguir enverniza-se com uma
geleia ou uma calda de açúcar, qualquer delas muito leve.
Ingredientes:
8
ovos, 160g deaçúcar,100g de farinha, 200g de marmelada, 200g de chocolate de
culinária
Nutrientes por
dose: 331 kcal, 8g de
prot., 15g de gord., 50 g de h.c.,
2 g de f. a.
Confecção:
Prepara-se
um tabuleiro quadrado, onde a massa caiba bem estendida, unta-se e forra-se com
papel vegetal, também ele ligeiramente untado.
Prepara-se uma massa igual à do Pão de Ló Saloio da seguinte maneira:
Juntam-se os ovos inteiros com o açúcar, adiciona-se
uma pitadinha de sal refinado e bate-se até obter uma gemada cremosa (cerca de
20 minutos com a batedeira eléctrica).
Junta-se a farinha peneirada com o fermento e
envolve-se suavemente com o preparado.
Deita-se
no tabuleiro e leva-se a cozer em forno
previamente aquecido, mas moderado, durante cerca de 10 a 15 minutos. Atenção à
cozedura que tem que ficar na medida certa para enrolar a torta, ou seja,
completamente cozida, mas muito mole.
Retira-se o tabuleiro do forno e imediatamente de seguida
retira-se o bolo, puxando pelas pontas do papel.
Estende-se sobre ele o recheio que previamente se
preparou, enrola-se com ajuda do mesmo papel que forrou o tabuleiro e deixa-se
ficar até arrefecer.
Depois
de frio, desenrola-se o papel, se for necessário sobrepõe-se a outro papel
limpo e cobre-se com a cobertura de
chocolate que se preparou.
Cortam-se
as pontas da torta em bisel e pregam-se com palitos à mesma de forma a parecer
nós do tronco de árvore.
Rematam-se
os pegados dos nós com a mesma cobertura de chocolate, e com uma espátula ou
com um garfo fazem-se algumas ranhuras decorativas do tronco.
Preparado
o tronco, passa-se para uma travessa e pode decorar-se com alguns motivos de
Natal, azevinho por exemplo.
Recheio de marmelada:
Cortam-se
200g de marmelada em fatias finas,
junta-se um pouquinho de água morna e deixa-se amolecer. De seguida
leva-se ao lume para diluir e formar um creme macio e homogéneo para com ele
rechear a torta.
Creme de chocolate:
Leva-se uma tablete de chocolate ao lume a derreter com 25g de
manteiga sem sal e um pouquinho
de água ou leite, vai-se mexendo e deitando gotas de água ou de leite até o
creme estar na consistência desejada.
Notas:
As proporções para a massa são: 1 ovo, 20g de açúcar
e 12 g de farinha.
O recheio da torta saloia é a marmelada igualmente saloia, que fica
muito bem neste tronco, podendo optar-se por outro recheio.
FILHÓS
SIMPLES
Ingredientes:
250g de farinha, 40g de fermento de padeiro, 3 ovos,1/2
dl de azeite, aprox. 1dl de água.
60g de açúcar para
polvilhar, 1 colher de chá de canela, 1 pitada de sal, óleo para fritar que baste.
Nutrientes por
dose: 385 kcal, 9g de
prot., 20g de gord., 42 g de h.c.,
2 g de f. a.
Confecção:
Põe-se
a farinha num alguidar e junta-se o fermento e o sal desfeitos com água tépida,
junta-se também o azeite e os ovos e começa a amassar-se adicionando água tépida aos poucos e
amassando até a massa apresentar uma
textura branda.
Cobre-se
o alguidar com um pano sobreposto por um cobertor e deixa-se levedar em local
tépido sem alteração de temperatura, até a massa obter o dobro do volume.
Quando
estiver lêveda, retiram-se pedaços da mesma, com uma colher de sopa e fritam-se
as filhós em óleo moderadamente quente e em quantidade suficiente para as
cobrir. Quando se apresentarem
douradinhas, retiram-se do óleo e escorrem-se sobre um papel absorvente. De seguida
passam-se por açúcar e canela.
Um pouco da história das filhós. Tudo que na
gastronomia é antigo e perdurável é bom. Assim também as filhós, a confirma-lo
estão as inúmeras receitas de filhós de Norte a Sul do país, tornando-se difícil a escolha. Cada
região e até cada família tem a sua receita preferida, não me arriscando a
classificar qual ou quais as melhores. Por isso limitei-me a escolher a que me pareceu mais simples e igualmente boa.
Das
três iguarias seleccionadas (bolo rei,
tronco de natal e filhós), as filhós são as mais antigas. E, sendo estas uma
iguaria tão popular em Portugal não nos
ocorre que elas não sejam originalmente portuguesas, mas verdade é que não são.
Vários autores acreditados atribuem a
sua origem ao tempo da ocupação árabe (séc. XI a XIII). De entre o vasto legado
gastronómico que os árabes nos deixaram,
encontram-se as filhós.
Nota final:
Texto de apoio, feito
exclusivamente para apoio das aulas de
gastronomia da Universidade da Terceira
Idade de Torres Vedras, pela professora da disciplina , Palmira Cipriano Lopes.
Lima
Reis, in Alimentação Humana, S.P.C.N.A. (Sociedade Portuguesa de Ciências da
Nutrição e Alimentação ), vol 14 ,nº 2, Porto, 2008.